A adoção de canais claros e formais de comunicação, em todos os escalões, é imprescindível no processo de minimizar riscos
Nenhuma organização está imune ao crime corporativo. Feita por e para pessoas, as empresas ficam à mercê da conduta dos indivíduos e, infelizmente, há desonestos em toda parte. Trabalhar a cultura organizacional, criar mecanismos de ética e compliance são precauções primordiais. Para além disso, algumas medidas relativamente simples concorrem para atenuar a possibilidade de alguma ocorrência indevida.
Infelizmente, a maledicência criminosa se infiltra mesmo em organizações com bom ferramental de compliance. 40% dos casos de crime corporativo não teriam ocorrido caso fossem observadas algumas regras de ouro. São ações e condutas capazes de minimizar os riscos de clusters de corrupção e fraudes no ambiente empresarial.
Elas compõem o que chamo de decálogo anticrime: liderança exemplar; relações respeitosas; lealdade nas interações; incentivo a condutas agregadoras; canais claros e formais de comunicação; processos ágeis para resolução de problemas críticos; sigilo e proteção a denúncias; estilo de liderança; pesquisa rigorosa sobre candidatos a emprego e parceiros de negócios; e ética acima da competência.
É preciso entender cada passo. Entre as dez medidas essenciais, a primeira é o exemplo que vem de cima. O exercício da ética se faz top down, a cada fato e a cada momento. São os líderes que inspiram e servem de modelo. O segundo ponto essencial se refere ao tratamento respeitoso a todos na organização. O desrespeito está na raiz das grandes causas de males que corroem as relações e favorecem o crime corporativo.
O terceiro aspecto tem a ver com a lealdade, premissa nas interações e via de mão dupla. Um líder leal com seus liderados semeia engajamento e o orgulho de pertencer, colhendo dedicação e lealdade. O incentivo a condutas agregadoras vem logo a seguir. Funcionários desagregadores devem ser desligados, pois atuam no sentido da dissenção. O eventual bem que possam fazer é pouco perto do mal que distribuem ao corroer as equipes.
A adoção de canais claros e formais de comunicação, em todos os escalões, também se mostra imprescindível no processo de minimizar riscos. Investir na transparência e na fluidez das trocas de informação contribui para um ambiente mais seguro e menos vulnerável. Sem contar que evita a famigerada “rádio peão”, que especula, desagrega e mina o respeito e a lealdade. Como estamos vendo nesse decálogo, tudo o que não se quer.
Adicionalmente, um sexto item a considerar é a criação de processos ágeis para a tratativa de problemas. Mecanismos que permitam a fluidez das informações e diligência na resolução dos casos. O combate ao crime corporativo pressupõe canais e métodos para a tratativa rápida de dilemas éticos e conflitos de interesse. O mesmo princípio deve se aplicar a reclamações, solução de disputas e outras questões críticas.
No decálogo não pode faltar a garantia de sigilo. É preciso assegurar a proteção a denúncias de fraudes ou outros potenciais malfeitos, inclusive relacionados a incentivos e recompensas.
Mais uma dimensão a considerar diz respeito à atenção necessária aos estilos de liderança. A concentração de poder nas mãos de minidéspotas cria ambiente favorável ao surgimento do crime corporativo. Personalidades dominantes tendem a ter liberdade abusiva em relações de poder, exercitando mesmo a tirania, a intolerância e a intimidação.
Outra medida básica e nem sempre observada com a profundidade necessária é a rigorosa pesquisa quanto a parceiros de negócios e candidatos a emprego. Pode soar polêmico, mas trata-se de uma atitude essencial antes de contratar pessoas ou cadastrar fornecedores. Mais frequente do que se imagina, vê-se fraudadores habituais sendo aceitos em empresas íntegras, pelo simples motivo de não ter sido feita uma pesquisa prévia em profundidade.
As organizações precisam ser consistentes e objetivas em estabelecer regras de operação e códigos de conduta e comunicar claramente o que esperam de seus integrantes quanto a ética nas relações internas e na interação com os principais stakeholders (clientes, fornecedores, sociedade e acionistas). Os colaboradores precisam conhecer os valores que norteiam suas organizações e os porquês de sua existência e a permanência de suas atividades (missão, visão e estratégia). Isso requer esclarecimento, treinamento, prática e acompanhamento.
É imprescindível estabelecer o nível de tolerância claro – a linha vermelha – para evitar complacência e condutas indevidas em questões delicadas, que podem ser tornar um boomerang para a organização, comprometendo sua reputação, imagem de marca e valor de mercado.
E não há tempo a perder! Está aí o ESG (environement, society and governance), métricas relacionadas a ativos intangíveis dentro das empresas, que afetará todos os tipos de organizações, exigindo e delimitando que as ações, decisões e condutas organizacionais devam atender as demandas da sociedade, tendo a governança como pano de fundo.
Por fim, entre a ética e a competência, opte pela primeira. Não raro, os “competentes não éticos” são promovidos porque, aparentemente, trazem resultados para a organização. Isso é uma falácia. Diante desse perfil, o caminho mais acertado é a demissão. Com crime corporativo não se brinca, e a ética é o ponto de partida para evitá-lo.